Sexualidade

O que é sexualidade ?

Enéas Martim Canhadas

O que podemos entender por sexualidade?

Podemos, de uma maneira um tanto simplificada, entender a sexualidade quando estamos falando e pensando sobre as nossas sensações, sentimentos e emoções envolvendo a energia sexual. Para falar de energia sexual podemos nos referir à libido, se quisermos ser um pouco técnicos ou psicólogos no assunto. Libido vem do latim e quer dizer “desejo violento ou luxúria” Mas no sentido psicanalítico – a psicanálise foi criada por Freud – temos a energia motriz dos instintos de vida, portanto da conduta ativa e criadora do homem. Assim nos explica de forma bem acessível o dicionário Aurélio. Ou podemos falar de energias perispirituais enquanto força criadora presente em todos nós, espíritos em evolução passando por este plano. É claro que poderíamos apresentar outras definições, quer de tendências religiosas ou como explicação teórica e técnica sobre o assunto.

Quando estamos falando de sexualidade, não estamos falando de sexo?

É claro que sim. No entanto esses dois temas podem nos levar a destinos muito diferentes. Quando falamos ou tratamos de sexualidade estaremos pensando nas energias que são canalizadas no nosso corpo dessa maneira, isto é, na forma de sexualidade. Estaremos portanto falando, de nossos desejos, de nossas sensações prazerosas, de nossa compreensão sobre a maneira como sentimos e lidamos com as questões que envolvem essas energias. Estamos falando, por exemplo, de como nos relacionamos sexualmente, de como controlamos os nossos impulsos relativos ao sexo, de como podemos expressar a nossa sexualidade publicamente ou intimamente, de como estas manifestações alteram e interferem nas nossas vidas, de como sentimos tais energias nos nossos corpos e de como essa energia pode ser usada bem ou mau, construtiva ou de maneira desastrosa.

Já quando estamos falando do sexo, já estamos falando da prática do sexo exclusivamente. Aí então, falamos de sexo bom ou ruim, de sexo moralmente aprovado ou desaprovado, estamos falando da prática sexual simplesmente ainda que não tenha finalidades mais elevadas, falamos de sexo seguro, de sexo arriscado, de sexo depravado ou patológico e assim por diante.

Podemos entender a pornografia e outras tendências como fazendo parte da sexualidade?

Sim. Exatamente porque, a partir das definições que adotamos, fazem parte dos sentimentos libidinosos (ver libido) dos seres humanos e também são energias perispirituais. Embora a pornografia represente a prática do sexo moralmente reprovado, e do ponto de vista do psiquismo um sexo pervertido em muitos casos, são manifestações doentes da sexualidade que todos os seres humanos possuem. É como falar de agressividade, mas na forma manifesta de violência ou, por outro lado, de passividade.

A prática sexual entre pessoas do mesmo sexo, pode ser encarada como uma manifestação normal da sexualidade?

Você consideraria uma pessoa de personalidade orgulhosa ou arrogante, uma personalidade anormal ou doente? De outro modo, você trataria o teu filho que é muito egoísta, que não reparte o seu lanche da escola com ninguém, um filho anormal? Certamente que não. Você dirá que seu filho tem algumas distorções de comportamento e que precisa aprender a ser mais altruísta. Ou da pessoa orgulhosa, você dirá que deverá superar o seu orgulho e mostrar-se mais reconhecida de que todos temos qualidades e defeitos e que ela não é tão melhor do que os demais mortais, não é mesmo?

Vejamos de outra forma. André Luiz, em “No Mundo Maior” no capítulo 11 chamado “Sexo” diz: “Erro lamentável é supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante as respeitáveis convenções humanas, possa servir de templo às manifestações afetivas. O campo do amor é infinito em sua essência e manifestação.” Insta fugir às aberrações e aos excessos; contudo, é imperioso reconhecer que todos os seres nasceram no Universo para amar e serem amados.”

Do ponto de vista do comportamento, portanto da Psicologia, o problema não se localiza exatamente no fato de ser ou não normal essa prática. O que observamos nos consultórios é que as pessoas, honesta e sinceramente, não sabem explicar porque existe dentro de si, o sentimento de afeto, paixão e amor por uma outra pessoa do mesmo sexo. Assim como você não saberá dizer porque sente prazer e atração pelo sexo oposto. Apenas irá dizer que acha isso normal. Acontece que, para as pessoas que sentem diferente também localizam dentro de si um sentimento normal, pois desde que se lembram, em outros casos, a partir de um momento qualquer, passaram a experimentar tais sentimentos.

Do ponto de vista da experiência evolutiva do espírito, não podemos deixar de pensar que se, evoluímos pelas mais diversas experiências que nos propusemos a viver neste plano, porque não certas pessoas também estarem passando por tais sentimentos como questões ainda importantes para serem vividas, compreendidas e superadas. E vejam bem, não estou dizendo aqui que superar é deixar de sentir-se atraído pelo sexo oposto, pois se assim fosse teria que dizer também que nascer mulher ou homem também seria uma experiência de superação dessa condição. Não é isso que nos ensina a doutrina Espírita, mas sim que temos de nascer como homens e mulheres como parte do amadurecimento do nosso espírito e para assim, evoluírmos no sentido dos espíritos iluminados que um dia, não serão mais regidos pelas energias sexuais divididas em masculinas e femininas.

 

A expressão da sexualidade é uma expressão de amor?

Na manifestação do amor, certamente encontramos a sexualidade. No entanto não podemos dizer que na sexualidade está presente o amor. “O sexo e o cérebro não são músculos, nem podem ser. Disso decorrem várias conseqüências importantes, das quais esta não é a menor: não amamos o que queremos, mas o que desejamos...” Quando André Comte Sponville faz tal afirmação está falando dessa junção inevitável: o amor ao sexo. Estamos falando, pois, do amor da carne. Estamos falando do amor que deseja o outro e que, geralmente, pensa que o possui. Mas será isto amor? O poeta Rilke tem algo precioso a nos ensinar sobre isso: “a volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. É uma grande experiência sem fim que nos é dada; um conhecimento do mundo. (...) O mal não está em que nós a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiência...” Por essa forma de provar o sabor, caímos no risco de consumir o outro como consumimos a fruta apetitosa. Essa maneira de gostar torna-se nem um pouco virtuosa, não podendo ser aplicada a ninguém. O amor antes preserva. A sexualidade como expressão de amor está ligada, de forma irreversível, ao poder e a posse. Mais do que isso, o amor validado pela sexualidade, acaba se tornando uma espécie de afeto geográfico. Eu gosto tanto mais do outro quanto mais eu possuo do outro. Por isso, expressões como “ela será minha para sempre”, “ele é o meu homem” querem dizer isso mesmo enquanto pensam que tal coisa pode acontecer. Será muito triste o dia que descobrirem que nunca possuíram nada.

Existe o amor? Ou vivemos apenas paixões que confundimos com um suposto e imaginário sentimento de amar? São diferentes?

Do grego nós temos que existem três maneiras de amar: a carência (erôs) que abrasileiramos por “eros” mais ligado a idéia do amor sensual; o regozijo (philia) que é a alegria pela boa nova anunciada pelo Cristo que nos torna capazes até mesmo de amar os nossos inimigos. É a alegria pela amizade e pelas possibilidades de amarmos a todos; a caridade (agapé) que podemos entender como a forma mais completa do amor. E com tal respeito e verdade amarmos tanto e de tal modo que nem percebemos que o nosso semelhante sofre e por isso precisa receber a nossa ajuda. Não podemos ajudar só os que sofrem, isto é, a nossa evolução ainda vai nos levar ao dia em que tenhamos a caridade como manifestação espontânea e que não necessite de causa ou motivo para ser manifesta.

Enquanto estamos falando da idéia de amor associado a manifestações da sexualidade, estamos falando das paixões que, enganosamente, chamamos de amor. A paixão, enquanto amor, não existe. E o amor enquanto o fogo da paixão não pode ser chamado ou considerado como tal. No entanto, a sexualidade presta aí um grande serviço. Ela é um fogo que pode purificar os apaixonados e transformar os sentimentos, um dia, em amor. Difícil será encontrar no amor ao outro, misturado com a volúpia do sexo o amor que tanto se propaga. Provavelmente tais sentimentos não passam das frases que ouvimos a torto e a direito nas novelas. “Eu te amo” transformou-se numa frase de efeito, que teve validade apenas, para a cena mais emocionante do capítulo da noite passada, ou que servirá para depositarmos no personagem central do filme a nossa emotividade carente e que anseia por um imaginário ou desejado amor de verdade. Isso acontece porque, no íntimo, todos nós almejamos, um dia, encontrar o amor. De alguém por nós.

As manifestações da sexualidade no meu corpo explicam quando estou apaixonado(a) ou amando?

Não explicam mas anunciam. Acredito que por tudo que falamos, não tenha ficado uma noção limitante ou proibitiva da sexualidade. Antes, procuramos chamar a atenção quando, pelas proibições que temos dentro de nós através de uma educação ou moralismos falsos que nos fizeram temer a sensualidade e sentirmo-nos envergonhados frente a beleza, complicamos e colocamos obstáculos na nossa evolução para a compreensão das verdadeiras emoções dentro de nós. Voltamos a Emmanuel: “em nenhum caso, ser-nos-á lícito subestimar a importância da energia sexual que, na essência, verte da Criação Divina para a constituição e sustentação de todas as criaturas. Com ela e por ela é que todas as civilizações da Terra se levantaram, legando ao homem preciosa herança na viagem para a sublimação definitiva, entendendo-se, porém, que criatura alguma, no plano da razão, se utilizará dela, nas relações com outra criatura, sem conseqüências felizes ou infelizes, construtivas ou destrutivas, conforme a orientação que se lhe dê”.